20.4.24

Louise Glück (Paisagem)




LANDSCAPE

 

Time passed, turning everything to ice.
Under the ice, the future stirred.
If you fell into it, you died.

It was a time
of waiting, of suspended action.

I lived in the present, which was
that part of the future you could see.
The past floated above my head,
like the sun and moon, visible but never reachable.

It was a time
governed by contradictions, as in
I felt nothing and
I was afraid.

Winter emptied the trees, filled them again with snow.
Because I couldn’t feel, snow fell, the lake froze over.
Because I was afraid, I didn't move;
my breath was white, a description of silence.

Time passed, and some of it became this.
And some of it simply evaporated;
you could see it float above the white trees
forming particles of ice.

All your life, you wait for the propitious time.
Then the propitious time
reveals itself as action taken.

I watched the past move, a line of clouds moving
from left to right or right to left,
depending on the wind. Some days

there was no wind. The clouds seemed
to stay where they were,
like a painting of the sea, more still than real.

Some days the lake was a sheet of glass.
Under the glass, the future made
demure, inviting sounds;
you had to tense yourself so as not to listen.

Time passed; you got to see a piece of it.
The years it took with it were years of winter;
they would not be missed. Some days

there were no clouds, as though
the sources of the past had vanished. The world

was bleached, like a negative; the light passed
directly through it. Then
the image faded.

Above the world
there was only blue, blue everywhere.


Louise Glück

[The Threepenny Review]

 

 

O tempo passou, transformou tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro bulia.
Se caísses lá dentro, morrias.

Era um tempo
de espera, de acção suspensa.

Eu vivia no presente, que era
a parte do futuro que podíamos ver.
O passado pairava sobre a minha cabeça,
como o sol e a lua, visível mas inalcançável.

Era um tempo
governado por contradições, como
Não sentia nada e
tinha medo.

O inverno esvaziou as árvores, voltou a enchê-las de neve.
Como eu nada sentisse, a neve caiu, o lago gelou.
Como se eu tivesse medo, permaneci imóvel;
o meu bafo era branco, uma descrição do silêncio.

O tempo passou, e uma parte dele tornou-se isto.
E outra parte evaporou-se simplesmente;
podíamos vê-la a pairar sobre as árvores brancas,
formava partículas de gelo.

Esperas a vida inteira pelo momento oportuno.
Depois o momento oportuno
revela-se acção consumada.

Eu via mover-se o passado, uma fila de nuvens a avançar
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
consoante o vento. Por vezes

não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais imóveis do que reais.

Por vezes o lago era um lençol de vidro.
Sob o vidro, o futuro murmurava,
modesto, convidativo:
tinhas de te concentrar para o não ouvires.

O tempo passou; chegaste a ver parte dele.
Os anos que levou eram anos de inverno;
ninguém lhes sentiria a falta. Por vezes

não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo

perdera a cor, como um negativo; a luz atravessava-o
de lado a lado. Depois
a imagem apagava-se.

Por cima do mundo
só havia azul, azul em toda a parte

(Trad. Rui Pires Cabral)

 .

18.4.24

Fernando Luis Chivite (Poema da louca juventude)




POEMA DE LA LOCA JUVENTUD


Yo también lo quería. Yo también. 

Encontré algunas cosas, vislumbré
por supuesto algunas otras:
supe algo.

También me quedé quieto: casi
completamente quieto: loco
y solo.

Tenía una camisa azul claro gastada:
recuerdo aquel verano
con aquella camisa.

Yo también lo buscaba. Me gustaba la vida.
Si quería morir no era sólo
por ella.

 
Fernando Luis Chivite

 

Eu também o queria, também eu. 

Encontrei umas coisas, vislumbrei
já se vê algumas outras,
alguma coisa eu soube. 

Também eu fiquei quieto, quase
quieto de todo,
louco e só. 

Tinha uma camisa azul já gasta,
recordo aquele Verão
com essa camisa. 

Também eu o buscava, gostava da vida.
Queria morrer? Não era só
 por ela.
 

(Trad. A.M.).

17.4.24

Carlos Martínez Aguirre (O fantasma de um átomo)


 

EL FANTASMA DE UN ÁTOMO DE URANIO XX
EVOCA SU RUPTURA SENTIMENTAL

 

 

Tú te alejaste de mí…
y yo arrasé Nagasaky.


Carlos Martínez Aguirre

 

.

15.4.24

Linda Pastan (Casei contigo)



I MARRIED YOU 

 

I married you
for all the wrong reasons,
charmed by your
dangerous family history,
by the innocent muscles, bulging
like hidden weapons
under your shirt,
by your naive ties, the colors
of painted scraps of sunset.
I was charmed too
by your assumptions
about me: my serenity—
that mirror waiting to be cracked,
my flashy acrobatics with knives
in the kitchen.
How wrong we both were
about each other,
and how happy we have been.
 

Linda Pastan

 

Casei contigo
pelas razões erradas,
encantada com a tua
perigosa história familiar,
os músculos inocentes, salientes
como armas escondidas
sob a tua camisa,
as tuas gravatas ingénuas, das cores
de bocados pintados de pôr do sol.
Fui também atraída
pelas tuas suposições
sobre mim: a minha serenidade –
aquele espelho à espera de ser quebrado,
as minhas acrobacias exageradas com facas
na cozinha.
Que errados estávamos ambos
sobre o outro

e que felizes temos sido.

(Trad. fjcc)

 .

13.4.24

Felipe Benítez Reyes (A situação)




LA SITUACIÓN

 

En todo pensamiento se esconde una tiniebla,
como en toda emoción una sombra de duda.
En todas las verdades hay un mármol que tiembla
y en todas las mentiras un fuego de penumbra.

De lo poco que somos, gran parte es de un fantasma.
Nuestro deseo gobierna su industria de espejismos.
La memoria más nuestra también es de la nada.
La conciencia, en secreto, blande un puñal en vilo.

El pasado divaga entre estatuas de humo.
El presente parece una ilusión en fuga.
Allá en el porvenir hay siempre algún reducto
en que ensoñar la trama de estos sueños a oscuras.

La noche está callada como el eco del miedo.
Las sílabas se juntan en busca de un sentido.
Nuestra historia la escribe con su cálamo el viento.
Y este huir de nosotros, del tiempo y del destino…

Felipe Benítez Reyes

 

 

Em todo o pensamento há uma treva,
como em qualquer emoção uma dúvida.
Nas verdades há um mármore que estremece
e nas mentiras um fogo de penumbra.

Do pouco que somos, grande parte é fantasma.
O desejo gere sua indústria de miragens.
A memória mais nossa é também a do nada.
A consciência, em segredo, brande um punhal indeciso.

O passado divaga entre estátuas de fumo.
O presente semelha uma ilusão em fuga.
Lá no porvir há sempre um reduto
em que sonhar a trama dos sonhos escuros.

A noite cala-se como o eco do medo.
As sílabas juntam-se em busca de um sentido.
A nossa história o vento a escreve com sua pena.
E a nossa fuga de nós mesmos, do tempo e do destino…


(Trad. A.M.)

.

12.4.24

Francisco Caro (A que lugar voltar)




A QUÉ LUGAR VOLVER

 

Entiendo que algún día me dijeses:
tus poemas
hablan de finitudes 

pasado el cruce del amor
–respondería–
apenas si la vida
ofrece otros caminos 

tan de la misma
materia nunca penetrada
son tiempo y poesia
que nadie aún
ha logrado saberlos, separarlos.


Francisco Caro

 

 

Entendo que um dia me dissesses,
teus poemas
falam de finitudes

Passada a encruzilhada do amor
não oferece a vida
quase outros caminhos

Tão da mesma
matéria jamais penetrada
são tempo e poesia
que ninguém ainda
logrou sabê-los, separá-los.


(Trad. A.M.)



>>  Mientras la luz (blogue/ muitos p) /  Crear en Salamanca (7p) / Zenda (5p) / Wikipedia

.

10.4.24

Jorge Sousa Braga (Magnólias)




MAGNÓLIAS

 

Esqueceram-se das folhas,
tão grande era a pressa
de florirem.


Jorge de Sousa Braga

 .