20.2.18

Ana Margarida de Carvalho (Que Importa a Fúria do Mar)






(Início)


Tersa gente esta, de almas baldias, vontades torcidas pelo frio que aperta, amolecidas pelo sol que expande.

Ando aqui a ganhar a morte.

Nestes campos de giesta, engatadas raízes no chão, tão presas de seiva e vontade que não as pode a força de um homem arrancar.

Ervas daninhas mais difíceis de vergar do que um pinheiro  bravo à machadada.

O pinheiro deixa o coto apodrecido, vã ruína orgânica, mas as raízes das giestas mantêm-se sorrateiras, infiltrantes, debaixo da terra, a aguardar melhor ocasião para levantar haste.

E, mal um homem vira costas, lá estão elas, sob os pés, soturnas, insinuantes, sôfregas de todas as pingas de água, a saciarem-se, a exaurirem as lavouras, sem sequer a gentileza de uma sombra, só pasto de insectos, refúgio de furões, conspiração do matagal.

Assim ando eu.

Entre mato rasteiro e bravio.

Que a vida sempre me foi um ferro de engomar.

Quando há um prego que se destaca, martela-se.

E no entanto, mesmo amolgado e enterrado, continua lá.

De quem é o carvalhal?




ANA MARGARIDA DE CARVALHO
Que importa a fúria do mar
(2013)


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